Toda vez que eu falo com a minha mãe sobre a nossa mudança ela sempre me fala “como é diferente” o processo aqui de comprar uma casa, então vou fazer um resumo de como funciona. Como nunca comprei um imóvel no Brasil, não sei as diferenças, mas o processo aqui já conheço bem (mas também não sei se varia de estado para estado, então estou falando especialmente de Michigan). O texto é longo, então se tiver paciência, clique para ler mais.
Pra começar, você precisa de um agente (realtor), que é uma espécie de corretor, mas ele trabalha para você (é o buyer’s agent, ou agente do comprador). Ele é quem vai procurar nos anúncios no banco de dados imobiliário as casas disponíveis, de acordo com o que você especificar. Por exemplo, uma casa de X número de quartos, X número de banheiros, com garagem para quantos carros, em que cidade, etc. Você também pode procurar em sites, mas na hora que for começar a ver as casas vai precisar de um realtor do mesmo jeito, então melhor arrumar um logo.
Com a lista de casas em mãos, o agente vai ligar e marcar todas as visitas no dia e hora que você estipular. A coisa mais engraçada é que aqui quase que 95% ou mais das casas à venda ainda estão ocupadas, é raríssimo você ver uma casa vazia. Por causa disso, existem três formas de visita: lockbox (o agente liga pra imobiliária que está vendendo a casa e eles dizem o código secreto do cadeado da porta), lockbox e hora marcada (mesmo jeito que o anterior, mas o agente precisa dizer que horas vai e o dono da casa confirma que está OK) ou hora marcada (o agente que está vendendo a casa (o seller’s agent, ou agente do vendedor) vai até lá e encontra você e o seu agente para abrir a casa).
Lockbox com hora marcada é o mais comum, já que o dono da casa não pode estar em casa na hora da visita. Isso é para dar liberdade as pessoas que estão indo ver a casa de comentarem livremente, sem ofender ninguém. Os agentes, claro, são responsáveis pelo comportamento das pessoas que eles levam nas casas (e por isso que não é permitido que você visite nenhuma casa sem um agente). Tem uma outra modalidade, chamada Open House, normalmente acontece aos domingos. O agente que está vendendo a casa fica lá o dia inteiro e qualquer pessoa que queira entrar ele mostra a casa, não precisa de hora marcada ou de um agente com você.
Se você gostar de uma casa e quiser fazer uma oferta, a primeira coisa é arrumar uma carta de pre-approval, que basicamente é uma carta de um banco ou de uma pessoa que faz empréstimos (mortgage broker) dizendo que você tem crédito para comprar aquela casa por aquele preço (muita gente tem a carta antes mesmo de escolher uma casa, pré-aprovada por um valor específico e as pessoas procuram então casas naquela faixa de preço). O seu agente vai contactar o agente que está vendendo e pedir a papelada legal, que diz quando a casa foi construída, tamanho, medidas do lote, se está tudo funcionando com o sistema elétrico, hidráulico e coisas do tipo, os valores dos impostos (tipo um IPTU) e afins. Então ele escreve um documento de oferta, com o valor que você está oferecendo, o que inclui (aqui as casas normalmente incluem os eletrodomésticos como geladeira, fogão, máquina de lavar e secar, lavadora de louça) e em quanto tempo vocês tem que fechar o negócio. A oferta é assinada, cada um ganha uma cópia e é enviada para o dono da casa.
Aí vem a negociação, os dois agentes negociam, você raramente negocia direto com os donos (na casa onde a gente mora o nosso agente negociou com os donos direto porque eles não tinham um agente vendendo, o que não é muito prático mas não é incomum). Se todo mundo aceitar os preços (normalmente rolam umas ofertas de cada lado até todo mundo concordar), os compradores e vendedores assinam o contrato de venda, que é um termo dizendo que ambas as partes se comprometem a vender e comprar a casa, e que não vão mais negociar com ninguém. O único jeito de sair do contrato é se ambas as partes concordarem em desistir ou então se o comprador achar um defeito grave com a casa, na inspeção. A partir daí a casa está pending, não foi vendida mas também não pode mais ser negociada, está fora do mercado.
Uma semana em média depois que o acordo foi assinado, um inspetor é chamado para fazer a inspeção do imóvel. Ele olha tudo nos mínimos detalhes, tanto dentro da casa quanto fora. Sobe no telhado pra ver se tem algum vazamento, olha se a chaminé está entupida, vê se tem algum problema elétrico, se está tudo funcionando (banheira, banheiros, eletrodomésticos, aquecimento, se tem algum vazamento no porão, etc). Ele faz um relatório com tudo o que encontra, e o comprador analisa e decide se vai negociar um preço menor (caso algo grave tenha sido encontrado, como um vazamento no porão por exemplo) ou se vai seguir em frente.
O próximo passo é fechar então o empréstimo, você precisa escolher qual empresa vai financiar a casa (normalmente a que deu a carta de pre-approval, mas se você achar outra com juros melhores, pode mudar). O representante do banco vai então pedir seus documentos e fazer uma análise do seu crédito – existem agências que fornecem uma pontuação de crédito, baseada no que você compra ao longo da sua vida. Se pagou tudo direitinho, em dia, e não tem débitos no seu nome, a sua pontuação é alta e você consegue juros baixos. Se ao contrário você tem montes de cartões de crédito, vive empurrando os pagamentos fazendo apenas o pagamento mínimo e tem vários débitos no seu nome, sua pontuação será baixa e os juros mais altos. Para um imigrante que acabou de chegar nos EUA vai ser difícil conseguir bons juros, porque você não tem ainda histórico de crédito para conseguir uma boa pontuação. Se ficar um ou dois anos aqui, trabalhando e tendo um ou dois cartões de crédito e pagando tudo em dia, comprar um carro e coisas do tipo, já consegue um bom crédito (eu estou aqui há quase dois anos e o meu crédito é melhor que o do Gabe, porque não tem débitos no meu nome – meu carro está no nome dele, haha). Ah, e só pode comprar qualquer imóvel se você for imigrante legal, obviamente – na primeira casa que compramos eu ainda não tinha o meu greencard, estava em processo de adjusment of status, e não pude ter o nome no contrato, nessa nova casa já vai estar o meu nome, a representante do banco já anexou meu greencard aos documentos.
Com o empréstimo aprovado, inspeção feita, marca-se a data do fechamento. Um dia antes do fechamento, os compradores e seu agente fazem uma vistoria final no imóvel, só para checar que nada de diferente aconteceu com o imóvel entre a data da oferta e o fechamento. Normalmente o fechamento acontece depois de um mês da data da proposta aceita, que é o tempo que o banco leva para processar todos os documentos. Na data do fechamento, os compradores, os vendedores e os agentes dos dois lados comparecem a um local neutro (normalmente relacionado ao banco) para assinar todos os zilhões de papéis. O que eu acho mais engraçado é que não tem UM documento autenticado, nada, cartório ou coisas do tipo. Nem precisa assinar o nome todo, o Gabe assinou Gabe em vários dos documentos da nossa casa atual, ao invés de Gabriel. Já pensou assinar um apelido em uma escritura? Só aqui mesmo.
Nesse dia os vendedores dão as chaves para os compradores, e aí os compradores podem se mudar, a não ser que tenha sido negociado em contrato que os vendedores ainda vão ficar na casa até uma determinada data. Quem vende a casa é responsável pelo pagamentos de ambos os agentes, quem compra não paga o agente. Os custos da papelada toda ou são pagos por quem vende ou então divididos entre compradores e vendedores. Depois de tudo assinado, é hora de preparar a mudança! O processo só não é mais simples porque existem zilhões de tipos de empréstimos, mais umas centenas de empresas que oferecem financiamento e mais um monte de cálculos malucos referentes ao importo da cidade, tipo IPTU. Como o imposto é pago anualmente, se você compra uma casa em junho por exemplo, tem que devolver o dinheiro do imposto de metade do ano que já foi pago, só que os valores são diferentes para verão e inverno, além do valor mudar de acordo com o valor que você pagou pela casa. Mas com um bom agente essas coisas todas são tranquilas, a dificuldade mesmo é achar uma casa.
Uma coisa que é bizarra para mim é a mentalidade deles quando estão decidindo se vão comprar uma casa ou não. Muita gente não quer uma casa que não tenha obra para fazer, porque eles querem comprar, fazer obras (improvements) e depois vender por mais dinheiro; outra coisa é que a maioria acha ruim comprar a maior casa da rua, porque é considerado difícil de vender, e já ouvi de muita gente que é melhor comprar casas antigas, dos anos 50 ou mais velhas, porque as casas novas são mal-feitas ou com materiais baratos (isso é bem específico da região que eu moro, já que a maior parte das casas foi construída entre 50 e 100 anos). Eu não concordo com nenhum desses pensamentos, e felizmente o Gabe também não. A gente não tem a menor paciência para fazer montes de obras e muito menos para fazermos nós mesmos (sim, porque é o que a maioria aqui faz). E gostamos muito mais do estilo das casas novas do que das antigas, até mesmo pela divisão dos cômodos, que é diferente, mais ampla e arejada. Já vi casas antigas lindas, mas não quero passar todos os meus finais de semana consertando um monte de coisas e colocando todo o dinheiro numa casa, queremos mais é viajar e aproveitar a vida.
Um outro conceito que normalmente a gente não pensa é o school district (distrito escolar). Como a maioria das crianças aqui vai para a escola pública, você tem que prestar atenção se a casa que você está escolhendo fica em um bom distrito escolar, já que cada cidade ou grupo de cidades tem o seu e os estudantes não escolhem onde vão estudar, depende de onde eles moram. Onde moramos atualmente o distrito escolar é mediano, então na nossa busca por uma nova casa pesquisamos quais são as cidades com os melhores distritos e só procuramos nestes locais. Lógico que um bom distrito não é garantia que todas as escolas são boas (em um distrito existem dezenas de escolas), mas é mais certo do que uma boa escola em um distrito ruim.
Coisas que “contam pontos” em uma casa: piso de madeira na área comum, granito ou mármore nas pias (aqui isso é considerado acabamento de alto luxo), pisos de cerâmica ou azulejos nos banheiros (mesma coisa que as pias, é considerado luxo, a maioria dos pisos são vinil ou linóleo e as paredes são pintadas mesmo, quando tem azulejo é só em volta do chuveiro), lareira, sistema de ar condicionado central (todas as casas novas tem, mas as antigas nem sempre), garagem conectada a casa (por causa do inverno frio, você não precisa andar até a garagem debaixo de neve), acabamento externo em tijolinho normalmente conta mais do que vinil (que a maioria dos brasileiros ainda acha que são tábuas de madeira mas na verdade são placas de vinil atualmente), porão com acabamento (a maioria é apenas uma área de “tralha” ou lavanderia, mas muitas casas tem uma sala de TV ou uma área para as crianças brincarem, escritórios, salão de jogos e coisas do tipo, tornando o porão mais um cômodo da casa), deck de madeira ou pátio no quintal, para churrascos também são bem-vistos. Todos esses itens mais o número de cômodos e a metragem total da casa são itens usados na comparação entre casas e cada um escolhe os que tem mais peso na avaliação.
Para quem ficou curioso, sites como Realtor.com e RealEstateOne.com fazem busca por imóveis.
cynthia semíramis says
Luciana, vocês fazem bem em evitar casas velhas, dá muita dor de cabeça.
Antes de casar, compramos um apartamente até bom, com cerca de 50 anos. Gastamos uma fortuna (quase metade do valor pago) fazendo reforma, trocando canos de ferro por pvc, melhorando instalação elétrica, transformando o banheiro e cozinha em “usáveis”.
A vantagem foi que, mesmo morando no térreo, escorpiões só apareciam no apartamento dos vizinhos. A maior desvantagem: tinha uma caixa de esgoto entupida debaixo da minha área, e uma caixa de gordura que tranbordou ficava na área do vizinho, nós compartilhávamos o mau cheiro. Esses exotismos da engenharia são típicos de prédio velho. Não vale a pena.
Precisamos de mudar pra um apartamento maior e não tivemos dúvida: gastamos o que tínhamos e o que não tínhamos pra comprar um ap 0km. Não tem como comparar.
Be says
Eu e o Dan não vemos a hora de comprar a nossa casa, mas primeiro temos que “descobrir” onde é que iremos morar. Queremos mudar para Utah, mas tudo depende da USAF. Anyway, já estamos pesquisando os preços e tal (que muda muito de estado para estado), mas já temos uma idéia boa do que queremos.
Achei engraçado quando vc comentou sobre “o dono não estar em casa, durante as visitas”, para deixar o comprador a vontade. Ontem, assisti o programa House Hunters as 3 da matina (sem sono) e foi muito engraçado. A mulher fazia uns comentários tipo “nossa, esse papel de parede é realmente horrível” e o marido dela a cutucava, tipo “os donos da casa iram assitir o programa”… Hilário! Mas que americano tem uma mania de papel de perede tem, não? Deus me livre… Beijocas, Be.
Ingrid Littmann says
Lu, me conta uma coisa faz tão pouco tempo tempo que você comprou sua casa, porque você esta vendendo????????
beijos
Luciana Bordallo Misura says
Pois e Cynthia, o meu cunhado tem uma casa centenaria, lindissima, mas gastou 40 mil dolares so pra trocar o telhado no ano passado. To fora!!!!!!
Be, eu adoro ver esses programas, hahahah peguei muitas dicas de coisas pra fazer na minha casa (que esta a venda) assistindo. Bem que eu queria uma camera aqui em casa pra ver o que o povo esta falando!!!
Ingrid, queremos uma casa maior do que a que nos moramos, e como as taxas de juros nao vao continuar baixas por muito tempo, a melhor hora de comprar e agora. Estamos aproveitando a oportunidade e garantindo uma casa maior pro futuro! 🙂
E um recadinho pros ignorantes anônimos de plantão – devidamente deletados, já que não tem coragem de se identificar – se você soubesse ler, veria que estou descrevendo o processo de alguém que mora nos EUA e compra uma casa, e não de alguém que mora em outro país e resolve comprar uma casa aqui como investimento ou imóvel de temporada, que é MUITO diferente. Qualquer imigrante que esteja aqui vai precisar apresentar o visto de residência na hora de fazer o empréstimo e assinar o contrato, senão nem vai poder ter o nome em nenhum deles. Como você não sabe ler mesmo, só poderia tirar conclusões idiotas.
zeh says
*head explodes*
super confuso.
Mauro says
Puxa, perdi o comentário do mané inguinorante. 🙁
A gente precisou aprender tudo isso sozinhos quando compramos a nossa casa aqui… pena que ainda não existia esse lance de blog naquela época, ia ter ajudado! 🙂
Cristina says
Informacao. Por favor nos moramos aqui mas nao temos o greencard, demos entrada agora na papelada. Temos o visto L1. Nao temos historia de credito pois vai fazer um ano que chegamos aqui. A pergunta e : Mesmo assim poderiamos financiar uma casa?
Obrigado pela resposta.
Carlos Alves says
Olá, Luciana! Tudo Bem?
Gostei muito do seu texto “Comprando uma Casa nos USA”, sou Corretor de Imóveis, na Cidade de São Paulo/Brasil e foi muito interessante os detalhes sobre as vendas de uma residencia ai nos USA.
Se você, por acaso, ler ou tiver algum artigo sobre Corretor de Imóveis, venda e compra de casas, por favor envie para o meu e-mai: calvesdossantos@yahoo.com.br, por ser em ingles. OK…
Luciana, eu estou com uma dúvida: Qual a diferença entre Real Estate Broker e o Realtor? Você sabe?
Parabéns e Obrigado,
Carlos/Brazil
ana says
ola tudo bem ?
Adorei seu texto.
Quero ir para os EUA e quero comprar uma casa sem financiamiento a vista. Como tenho cidadania Europeia não preciso de visto, mas com certeza vou ter que trabalhar em alguma coisa. Vc acha possível eu conseguir trabalho ? Tenho 45 anos. obrigada
Luciana Misura says
Ana, você está enganada. Para vir morar e trabalhar aqui você precisa de visto como todo mundo. Somente para fazer turismo você não precisa de visto. Você não falou qual é a sua profissão, então não tenho a menor ideia se você conseguiria emprego ou não. Idade é irrelevante. Abraço.