Há uns 2 anos mais ou menos, no auge da seca aqui no Texas, a gente começou a ver uns vizinhos substituindo parte da sua grama por um jardim de pedrinhas e plantas nativas ou tolerantes a seca. Na época a gente estava com restrições de irrigação do jardim bem severas (e ainda estamos, só podemos usar o sistema de irrigação 1 vez por semana) e com a falta de chuva as plantas e a grama dos jardins sofreu bastante. De lá pra cá cada vez mais aparecem jardins assim aqui no condomínio onde moramos. A prática se chama xeriscaping e já foi notícia controversa, já que algumas associações de moradores não estão nada contentes com a “mudança estética” nos jardins da vizinhança. Mas você sabe o que é xeriscaping?
A prática consiste em planejar o paisagismo do jardim com o objetivo de reduzir ou eliminar completamente a necessidade de irrigação. Em tempos de seca, em que a economia de água se faz necessária e com a água doce se tornando mais e mais valiosa e escassa no mundo, xeriscaping é a opção ecologicamente correta. A diferença de xeriscaping para natural landscaping é que o xeriscaping foca em seleção de plantas que sejam resistentes a seca/precisem de pouca água, enquanto no natural landscaping o foco é em plantas nativas – o ideal é unir as duas coisas. Na wikipedia tem mais detalhes.
Aqui na nossa área as casas estão substituindo boa parte da faixa de grama da calçada por pedrinhas e plantas nativas (essa faixa de grama é a que mais desperdiça água do sistema de irrigação, porque é uma faixa estreita entre a calçada e a rua e os sprinklers do sistema de irrigação jogam tanta água no cimento e na rua quanto em cima da grama). Manter o gramado verdinho com pouca chuva e temperatura média de 38 graus no verão é mesmo coisa de maluco, pra grama ficar mesmo “com cara de gramado de filme” você tem que gastar uma quantidade de água enorme irrigando o gramado várias vezes por semana. O motivo é simples: grama não é nativa dessa área, o clima não é adequado pra ela. Isso acontece em diversas regiões dos EUA, no Arizona por exemplo vimos muitas casas que tem pedrinhas, cactus e outras plantas nativas ao invés de grama, já que eles estão em um deserto e manter um gramado é ainda mais insano do que aqui no Texas. Mesmo assim, tem casas com grama por lá também, desafiando as leis da natureza.
Isso tudo claro é por causa de um padrão estético. As pessoas aqui nos EUA estão acostumadas com esse padrão de casas com gramado, e é difícil mudar essa percepção. E aí começam as brigas entre vizinhos e associações de moradores que ficam incomodadas quando alguém resolve trocar o seu gramado por um jardim mais nativo. Já saíram muitas matérias em jornais a respeito, principalmente em bairros considerados históricos, porque as associações e os vizinhos acham que o dono da casa com o jardim “diferente” está “enfeiando” o bairro. Não sei se alguma dessas confusões deu em alguma coisa, acho difícil que alguém consiga ganhar um caso desses na justiça, porque basicamente estariam forçando uma pessoa a manter um jardim de custo muito mais alto.
Nós ainda não fizemos o investimento pra mudar o nosso jardim de forma tão radical, mas já há alguns anos que a gente procura plantar apenas plantas que sejam nativas da região ou que aguentem o clima daqui. Meus pais, que toda vez que vem nos visitar querem sempre plantar um monte de coisas novas no jardim, já viram que nem adianta tentar brigar com a natureza: as plantas que não são da área ou muito resistentes a seca morrem mesmo. Agora eles só plantam as “testadas e aprovadas”, que são plantas que a gente vê por aí nos canteiros ano após ano, enquanto as outras plantas ao redor morreram todas. Futuramente a gente pensa em tirar a grama da faixa estreita da calçada e colocar as pedrinhas também, e provavelmente diminuir a área de grama do jardim aumentando os canteiros com plantas nativas.
Não me conformo em desperdiçar água pra manter plantas que não eram pra estar aqui (nem posso, já que a cidade tem a restrição de irrigação e se alguém denunciar você é multado). Fora que isso seria jogar um recurso muito precioso fora, por uma razão estética. Se podemos fazer um jardim bonito usando xeriscaping ou natural-landscaping, então esse é o caminho que deveríamos (todos) seguir, pra preservar a água que a cada ano tem diminuído nos reservatórios da cidade (desde que mudamos pra Austin, há 5 anos, que a gente vê o lago do reservatório cada vez mais seco, se não bastassem os avisos nos jornais, uma passadinha pelo lago ilustra bem o problema).
Já tinham visto jardins assim? O primeiro que vimos achamos meio estranho, mas agora que as plantas cresceram ficou bem legal. Tem gente que só coloca pedras, o que não acho uma opção boa (e aí não é xeriscaping, é zero-scaping, além de esquentar mais do que as plantas). Acho que é tudo uma questão de costume, e se é preciso mudar pra preservar, então acho que o motivo é mais do que válido!
Priscila says
Que legal esse post. Estou reformando uma casa agora e o jardim era assim. So que o antigo dono parou de cuidar. Agora queremos renovar, mas mantendo o mesmo estilo, com pedras e sem muita grama. Ate comprei um livro so sobre jardinagem no Texas. Espero que o HOA do meu bairro novo nao me encham o saco.
Luciana Misura says
Priscila, legal! Realmente a gente aqui no Texas tem que ter uma preocupação bem maior com o gasto de água. Se o jardim já era assim acho que você não terá nenhum problema com a HOA. Normalmente o problema aparece quando as pessoas vão trocar…
Maitê Oliveira says
Que legal esse post, por coincidência falamos essa semana na aula de geografia do cursinho, sobre a mudança nos jardins de algumas regiões dos Estados Unidos, o assunto era justamente os gastos que um jardim “verdinho” , que nada tem a ver com a região traziam, alem do uso abusivo de água (para manter o jardim) em regiões que fazem tanto calor.
Luciana Misura says
Interessante que vocês falaram disso na aula! 🙂 O cursinho está antenado!
pacamanca says
Como fã assumida de plantas suculentas, adorei a ideia 😉 Aqui logicamente não temos esse problema, embora em alguns verões particularmente secos entre em vigor a proibição de ligar sprinkler nos gramados, mas adotei as suculentas (não gosto de cactus porque sou muito atolada e tenho medo de me machucar) porque como fico fora por dois meses todo ano, bem no verão, quando voltava encontrava todas as minhas plantinhas mortas porque meu marido NUNCA rega. O negócio é se adaptar porque a necessidade faz o ladrão, né? 😉
Luciana Misura says
Ah, mas essas plantas em sua maioria não são suculentas não. Até tem uma ou outra, mas são apenas plantas resistentes ao calor e falta de água, já que pra aguentar o verão aqui não é qualquer plantinha. Com certeza o negócio é se adaptar, pelo menos aqui a gente deixa o sistema de irrigação programado quando viaja, então sei que as plantas vão continuar recebendo o mínimo de água que a gente pode usar!
Isabella says
Que legal, eu gostei.
Aqui não sofremos com a seca como vocês e ainda assim também temos algumas restrições. Vejo poucos vizinhos respeitando a regra de ligar água determinados dias. A maioria rega todo santo dia, tem aqueles que esquecem a torneira ligada à tarde inteira, e por aí vai. Acho um absurdo. No ano passado eu pouco reguei. Verificava se ia chover e molhava de acordo. A horta rendeu bem e a grama não morreu. O pessoal aqui surtaria com as pedras. Uma pena…
Luciana Misura says
Com certeza muita gente não liga pras restrições. Pelo menos aqui a gente pode denunciar. Uma vez eu denunciei uma vizinha, mas foi por causa do descaso, se eles estivessem apenas molhando mais vezes eu nem ia ter tido coragem. Mas o sistema de irrigação deles estava com algumas cabeças quebradas, e a água jorrava igual um hidrante aberto 2-3m de altura e ia direto pro bueiro, e eles não estavam nem aí. Não consertavam e continuavam usando o sistema de irrigação como se não tivesse nenhum problema. Depois de várias vezes vendo isso eu não aguentei e liguei. Não sei se eles foram multados, mas que eles consertaram, isso eles consertaram. Aquilo me revoltou!
isabella says
Pois você fez muito bem!