Nossa segunda noite em San Blás foi de tempestade tropical, com direito a muitos raios e trovões. Julia acordou várias vezes com medo mas o Eric dormiu que nem uma pedra (que bom, porque ele recentemente começou a ter medo dessas coisas). Eu e Gabe ficamos achando que ia aparecer alguma goteira na cabana mas felizmente não apareceu nenhuma e não entrou água pelas janelas ou pelas frestas. O design Kuna funcionou direitinho 😉 De manhã o tempo nublado continuava, com uma garoa fininha, e a gente levantou achando que não ia ter passeio nenhum.
No café-da-manhã os índios avisaram que se a chuva parasse a gente iria pra praia de todo jeito (de volta a ilha Arridup), mas se continuasse a chover o passeio seria cancelado.
Pra nossa sorte a chuva deu uma trégua e lá fomos nós de volta pra ilha linda do primeiro dia. Que diferença ver a ilha em um dia de sol e nublado, nossa, não tinha a metade da graça. Pra mostrar que pais viajantes também vacilam, a gente tirou tudo da bolsa de praia e esqueceu de colocar de volta a roupa de praia do Eric, felizmente tínhamos a fralda de praia na bolsa e ele ficou só de fralda mesmo. Ainda bem que não estava um sol de lascar, esquecemos a roupa no dia certo. A chuva também trouxe mais lixo para as praias, mas as crianças ignoraram tudo e brincaram bastante. Voltou a chover um pouquinho, mas não chegou a incomodar, e estava calor do mesmo jeito. Ficamos na praia até o horário combinado (12h30) e voltamos para a ilha Yandup para o almoço. Fiquei com pena do pessoal que chegou hoje e pegou esse dia feio.
O almoço hoje teve uma sopa de peixe com legumes que estava boa, as crianças gostaram. O prato principal foi um filé de peixe com legumes e eu acho que eram fatias de aipim, que todo mundo comeu (igual para as crianças) e também estava bem-feitinho, o peixe gostoso. De sobremesa o melão cantaloupe, comum nos EUA, que a gente adora. Depois do almoço o tempo começou a melhorar e fomos para a nossa cabana pras crianças brincarem até a hora do passeio da tarde, esperando que a chuva não atrapalhasse os planos.
As 16h chamaram todo mundo pro barco (eles sopram uma concha enorme pra dar o “aviso” que está na hora das refeições e dos passeios) e lá fomos nós visitar a comunidade Kuna de Playón Chico, ou Ukupseni na língua deles. Os dois funcionários do Yandup que estava com a gente dividiram o grupo em quem entendia espanhol ou inglês, a gente acabou indo com o guia que falava inglês (mas acho que teria sido melhor o guia falando espanhol, porque o inglês deles é bem básico e tenho certeza que o outro guia deu muito mais informações em espanhol). Eles são bem restritos com fotos, só pode tirar se não aparecer ninguém ou se as pessoas estiverem ao longe; de perto só se a pessoa permitir, e na maioria das vezes isso implica em pagamento ($1).
Nosso guia começou a explicar a economia local, mostrando os barcos que estavam parados no pequeno pier – um que vem da Colômbia comprar côcos, pagam 40 centavos de dólar por côco, e dois barcos que vem do Panamá trazendo mercadorias diversas para vender – de roupas a comida. O barco colombiano também traz mercadorias e aceita trocar côcos pelos itens, o que os índios preferem. A comunidade Kuna em Playón Chico tem 3 mil habitantes (!) sendo que 60% são crianças: cada família tem em média 5 filhos. A ilha já está super populada e eles estão planejando a mudança de várias famílias para o continente nos próximos 5 anos. Eu acabei pagando pra tirar foto dessa senhora Kuna fazendo uma mola que é o bordado tradicional deles – ela é uma das mais velhas da comunidade, com 80 anos. Segundo o guia eles vivem em média 80-85 anos.
O guia explicou também que cada família tem 2 casas, uma que é a cozinha, onde eles fazem a comida na fogueira e comem, e uma outra para dormir, estudar, conversar. O motivo é simples, como vocês podem imaginar a casa-cozinha fica cheia de fumaça. Uma coisa curiosa: todas as casas tem um painel solar na porta, que foi dado pelo governo panamenho. É a única fonte de energia que eles tem, e segundo o guia as crianças e adolescentes usam a luz para estudar dentro das casas. A escola panamenha que eles frequentam fica ao lado do aeroporto, e ensina kuna, espanhol e agora também inglês.
A vasta maioria das casas é tradicional kuna, com galhos amarrados para fazer as paredes e os telhados de palmeira, mas uma ou outra casa é de alvenaria como a gente conhece no Brasil. Mas o guia (e a maioria dos Kuna) não gosta das casas de alvenaria, dizem que é quente demais. Uma casa Kuna dura entre 20-30 anos, e aí tem que ser reconstruída.
Os homens não usam trajes típicos já há alguns séculos, somente as mulheres, mas isso também está acabando: as novas gerações não querem mais usar os trajes típicos. As mulheres usam muitas pulseiras nas pernas e braços e também um brinco pequeno no nariz – esse brinco costumava ser bem maior, e tanto o brinco quanto as pulseiras de ouro, mas há muito tempo que não existe mais ouro em Kuna Yala.
Eles são um povo de estatura baixa, um dos menores povos do mundo, e todas as mulheres perguntavam as idades das crianças, sempre se surpreendendo com a resposta. Principalmente ao ouvir que o Eric tem 2 anos, achavam que ele era um gigante. A Julia que tem 6 anos e é pequena para a idade dela aqui nos EUA, lá era do mesmo tamanho que uma menina de 9 anos!
Também passamos na frente da igreja da religião nativa Kuna, mas tem várias outras igrejas de outras crenças na ilha, e os Kuna podem fazer parte da religião que quiserem. Alguns frequentam a religião nativa e uma outra “de fora”. Eles tem chefes que elegem para cada comunidade, e o chefe fica no cargo até resolver que está muito velho pra isso e convocar uma nova eleição.
A comida típica é peixe, com leite de côco e banana. O nosso guia foi logo falando que ele não gosta nem de frango nem de carne. Os homens trabalham na agricultura e as mulheres cuidam das crianças.
As crianças estavam super curiosas andando atrás da gente, perguntando as idades da Julia e do Eric, os nossos nomes, mas a Julia estava tímida querendo se esconder. O Eric nem ligou. Perguntei pro guia como era Qual é o seu nome na língua Kuna e comecei a perguntar pra todas as crianças que estavam nos seguindo, elas acharam o máximo. Duas meninas perguntaram o meu nome e depois ficavam me chamando, achando a maior graça. Pena que não podia tirar foto delas, viraram as “amigas” e foram até o nosso barco dar tchau.
Eles tem uma história e cultura interessante, e estão tentando se adaptar aos tempos modernos sem perder sua identidade. Não sei se vão conseguir, mas são a tribo mais organizada das Américas, tendo uma autonomia do governo que nenhuma outra tribo conseguiu.
Voltamos para o hotel para o jantar, uma saladinha com vinagre que eu não consegui comer (detesto vinagre!), frango com arroz e legumes para as crianças e o Gabe, e lagostins com arroz e legumes para mim. Estava gostoso mas achei que faltou tempero ou sal nos lagostins. De sobremesa, abacaxi, mas acabamos não fotografando porque estava todo mundo cansado querendo ir dormir, já que dormimos mal na noite anterior.
Fomos dormir torcendo para um dia bonito no dia seguinte, o nosso último em San Blás!
Veja outros posts dessa viagem:
1o dia: Chegando a San Blás: primeiro dia no Yandup Island Lodge
2o dia: Segundo dia em San Blás: ilha Iguana e manguezais em Kuna Yala
3o dia: Tempestade em San Blás e conhecendo a comunidade Kuna
4o dia: Último dia em San Blás na ilha Dupir
San Blás com crianças: como foi a nossa experiência em Kuna Yala
Viajando pro Panamá com crianças: o meu planejamento
Debora says
Adoro seus relatos. Gosto muito quando tem informações sobre a cultura local, hábitos… Que vivência para as crianças!
Luciana Misura says
Brigada, Debora! 🙂