Uma das coisas que me chamou a atenção na escola da Julia até agora foi a forma como eles lidam com o comportamento das crianças. Não existe criança boa ou ruim, criança bagunceira ou comportada. Existem boas escolhas e escolhas ruins (good choices, bad choices). Não sei como anda a coisa no Brasil, talvez hoje em dia seja assim também, mas no meu tempo de escola os professoras reclamavam com os alunos dizendo que fulano fala demais na aula ou fulano nunca presta atenção, e por aí vai.
A professora explicou como funciona: ela pede pras crianças realizarem alguma tarefa. Se a criança não está fazendo ou está distraída fazendo outra coisa, ela dá um aviso, pedindo novamente. Se depois do pedido a criança continua não obedecendo, ela lembra a criança que ela tem que escolher entre uma good choice ou bad choice: fazer o que a professora pediu ou continuar não fazendo, o que terá uma consequência negativa (castigo e/ou anotação no papel que vem pra casa todos os dias pros pais ficarem sabendo como a criança se comportou naquele dia). A Julia quando faz alguma besteira, ela chega em casa e me fala que ela “hoje fez uma bad choice” e ficou de castigo, ou então ela vem toda contente dizer que hoje ela fez “good choices”.
A vantagem desse sistema, como explicou a professora, é não rotular as crianças. Não existem crianças boas ou ruins, existe uma criança que está, por algum motivo, tomando as decisões erradas em um determinado dia. Claro que se a criança sempre fizer as “escolhas ruins” a professora vai contactar os pais pra conversar a respeito, mas de um modo geral a criança não vai ouvir que ela “é ruim” ou “é bagunceira” ou “é uma peste”. Segundo a psicologia, esse tipo de rótulo acompanha sempre a criança e ela passa a acreditar nele, se comportando da forma que as pessoas esperam que ela se comporte.
Achei interessante, não sei se esse tratamento vai continuar com as crianças mais velhas ou é apenas um cuidado com os mais novinhos.
A Letícia resumiu perfeitamente nos comentários as vantagens desse sistema:
Esse lance da escolha tem três vantagens, a meu ver:
1) substitui com louvor conceitos arcaicos como “comportar-se bem”, “ser bonzinho” etc, que são subjetivos, vagos e portanto incompreensíveis;
2) dá à criança o poder de tomar uma decisão, coisa que normalmente não lhe é dado – a criança por muito tempo não escolhe a roupa que veste, a escola pra onde vai, qual vai ser o cardápio do dia, nem mesmo o seu próprio nome. Dar a chance de decidir sozinha dá a ela um nível de empowerment importante pra aumentar a autoconfiança; e
3) ensina a relação causa-efeito, e que até mesmo pequenas decisões erradas podem resultar numa merda muito grande. Poder observar isso em primeira pessoa é importante pra criança, pra poder entender que tudo o que fazemos tem consequências e que é preciso assumir a responsabilidade pelas próprias escolhas.
Como é na escola dos seus filhos?
Fla says
Essa eh otima, e muito bom pra criancada. Engracado, eu sempre falo com a Victoria de escolhas, sempre explicando que eh a escolha dela naquele momento de fazer algo certo ou errado, mesmo a escolha dela de estar feliz ou triste naquele momento.
Na escola da Victoria eles tem um esquema de estrelas. Todo dia eles recebem um cartao qdo a aula comeca e no final do dia dependendo da cor do cartao (a professora vai trocando as cores dependendo do comportamento) elas recebem uma estrela no fichario e no final da semana elas elas podem escolher um premio da caixa da professora (soh que teve a cor maior por 3 ou mais dias seguidos).
Bjs
Luciana Misura says
Fla, na escola da Julia a professora manda uma carinha sorridente pra casa no final de cada dia com bom comportamento, ou então uma anotação dizendo qual foi o problema naquele dia. Ela também tem uma caixa com prêmios, mas esses prêmios são só para grupos e não individuais – a mesa (cada mesa tem 4 crianças) que conseguir cumprir as suas tarefas da melhor forma possível é que tem o direito a escolher um prêmio. Essa da mesa eu não sei se acho muito legal, porque se você está na mesa com umas crianças que estão sempre fazendo escolhas ruins, não interessa se você faz as boas escolhas, nunca vai levar o prêmio…mas ela disse que todas as mesas já ganharam alguma vez.
Maitê Oliveira says
Uma pena que aqui no Brasil não seja assim. Bom talvez em escolas particulares com métodos mais modernos.
Acho um pouco de falta se sensibilidade rotular crianças( os outros também mas no caso as crianças). Quando eu era pequena levava bilhete para casa todos os dias, porque eu não fazia lição nenhuma, não tinha nada nos meus cadernos. É claro que eu era uma vista como uma aluna relaxada. Só que, o que a professora não sabia é que eu não fazia nada justamente porque sabia tudo. Eu tinha estudado numa excelente escola antes de passar para aquela, tinha aprendido a ler e escrever com 5 anos, de repente estava em um lugar onde muitos não sabiam o alfabeto. Não fazia porque eu já sabia e achava entediante ter que fazer tudo de novo.
Alem disso minha mãe ouviu centenas de vezes que eu vivia no mundo da lua, olhando para o vazio, pensando de mais (como se pensar fosse de mais ), A verdade é que isso não mudou tanto, é um traço da minha personalidade no entanto eu consegui ser tão boa aluna quanto todos os outros.No ensino médio eu também não fazia se achasse entediante de mais, e eu não deixei de aprender nem de estar entre os três “melhores” da turma (outro rótulo horrível, melhor e pior.)
(claro que eu tive que desenvolver meu próprio método de estudo, junto com a minha mãe)
A verdade é que da 8° para o 3° muitas vezes eu fui humilhada e mal tratada por outros alunos mas isso os professores/escola não viram. Bullying muitas vezes foi visto só como algo que alunos frescurentos inventaram. Uma pena.
Tati says
Nem sempre escolas particulares. Existem boas (poucas) escolas públicas de excelência. Fora que as creches públicas são mais bem preparadas que as particulares e utilizam bons conceitos de pedagogia aqui em Recife.
Luciana Misura says
Sim, rotular é uma daquelas coisas que todo mundo sabe que não deve fazer, mas na falta de uma alternativa melhor, acabam fazendo. Essa das escolhas foi a alternativa melhor que eles encontraram na escola da Julia.
Pra uma professora é obviamente muito complicado ter que lidar com uma aluna na situação que você estava. Por mais que você tivesse as suas razões por não fazer, ela não pode abrir esse tipo de exceção como professora. Imagina se todo mundo na classe resolve então que não está a fim de fazer também…complicado!
Infelizmente bullying é algo que só recentemente está sendo levado a sério, e a maioria das escolas ainda não sabe lidar muito bem com o problema…
Tâmara says
Adorei esse conceito de escolha boa e ruim! Post favoritado para quando eu tiver meus pimpolhos!
Luciana Misura says
hehe 😉 Vamos ver se você vai lembrar do post quando chegar a ocasião!
pacamanca says
Gostei da ideia. Esse negócio de rotular criança é uma coisa horrível, a criança veste a camisa mesmo, entra no personagem e dali não sai mais. Cada vez que escuto alguém dizer “mas você é um tonto mesmo!” pra uma criança (e aqui infelizmente ouço muito…) tenho vontade de socar.
Esse lance da escolha tem três vantagens, a meu ver: 1) substitui com louvor conceitos arcaicos como “comportar-se bem”, “ser bonzinho” etc, que são subjetivos, vagos e portanto incompreensíveis; 2) dá à criança o poder de tomar uma decisão, coisa que normalmente não lhe é dado – a criança por muito tempo não escolhe a roupa que veste, a escola pra onde vai, qual vai ser o cardápio do dia, nem mesmo o seu próprio nome. Dar a chance de decidir sozinha dá a ela um nível de empowerment importante pra aumentar a autoconfiança; e 3) ensina a relação causa-efeito, e que até mesmo pequenas decisões erradas podem resultar numa merda muito grande. Poder observar isso em primeira pessoa é importante pra criança, pra poder entender que tudo o que fazemos tem consequências e que é preciso assumir a responsabilidade pelas próprias escolhas. Gostei e adotarei 🙂
Luciana Misura says
Afe, eu sempre vejo você comentando umas barbaridades aí na Itália, não é mole não!
Concordo plenamente com as vantagens que você citou, principalmente com o segundo item. A Julia é uma que reclama que criança não pode fazer nada que quer, então esse lance de poder tomar a decisão é uma ótima oportunidade de oferecer esse poder a ela!
pacamanca says
É pior ainda por causa da própria língua: como no inglês, em italiano não existe diferença entre ser e estar, de modo que quando digo “sei tonto!” a criança não tem como saber se está se comportando de maneira boba naquele momento (coisa que todo mundo faz, lógico, somos humanos) ou se ela realmente é boba, nasceu assim e assim morrerá. O inglês pelo menos tem
“you’re being silly”, que obviamente não tem o mesmo impacto de “you’re silly”, mas em italiano não existe esse tempo verbal com o verbo ser. Ou seja, cada vez que o pai solta uma frase desse tipo está efetivamente rotulando a criança pra sempre. Quando a Carol tá chata eu digo mesmo, “hoje você tá um porre, cruzes, quê que houve?”, mas nunca digo “nossa como você é chata”, primeiro porque não é verdade, tadinha, e segundo porque aí é que ela encarnaria a chatice mesmo…
Carol says
Muito bom! Manu começou na escolinha nova essa semana, ainda está no período de recreação pq o ano letivo começa só no próximo mês. Vou levantar este assunto na reunião que teremos nas próximas semanas.
De qualquer modo, vamos tentar usar esse método em casa. Adorei.
Luciana Misura says
Legal! 🙂 Que idade ela tem?
Fabiane says
Que bacana! Adorei! Concordo muito que a rotulacao traz consequências pra vida. Sempre penso nisso no final do dia… Analisando a forma com que expressei certas idéias e/ou broncas aos meus filhos.. Eu sempre dou aos meus eles a opção da escolha entre dois itens ou situações por exemplo… Explicando a consequência em cada caso.. Mas gostei e vou utilizar esta linguagem das escolhas boas e ruins… Meus filhos ainda nao estão na escola, vao a uma creche mas nao tem nada do estilo. Este ano o meu mais velho inicia o “kindergarten” e vou observar…
Luciana Misura says
Fabiane, com certeza, a gente tem que se policiar pra não rotular os filhos em casa também! Boa sorte pro seu filho no Kinder, espero que ele pegue uma boa professora, é tão importante esse primeiro ano na escola!
Carolina says
Estou chegando atrasada na conversa :-), mas achei muito boa ideia isso das escolhas boas e ruins, que pode ser aplicado em casa também. Confesso que até comecei a colocar em pratica em casa! 😉 Na escola do Luca tem um sistema de pétalas vermelhas, verdes e laranjas. No caderno tem uma flor com cada pétala por dia da semana, e de acordo com o comportamento do aluno, a pétala é pintada de uma cor (no final do dia): laranja, é tipo uma advertência. a criança fez besteira, nao se “comportou”, ou fez uma “bad choice” 🙂 e a professora teve que chamar atençao algumas vezes. A pétala vermelha é quando o aluno recebeu varios avisos e mesmo assim continuou a fazer ou nao fazer o que devia. E a verde, todo mundo entendeu, é pra quando a criança “se comporta”, fez as “good choices”. Tem também um sistema de estrelas no caderno, que é quando a criança trabalha bem, se esforça, faz progressos! Eu ainda acho que dar as escolhas pra criança é melhor, apesar de nao achar ruim o sistema das pétalas, é mais ou menos o mesmo principio. Com certeza rotular nao tem nada a ver (eu, quando pequena, era aquela que nao se comportava, e minha mae era convocada toda semana na diretoria!), cada um é diferente, é muito mais inteligente falar das açoes, das atitudes, do que atacar a pessoa tratando de todas essas palavras muitas vezes traumatizantes. Mas nao sei se todas as escolas francesas sao assim. Mas pelo menos nao existe mais (pelo menos eu acho!) aquele negocio de classificar os alunos por resultados, notas: o primeiro, o segundo, o terceiro, o ultimo da classe, imagina! Quando meu marido estava na escola, disse que era assim, o(a) professor(a) lia os nomes do primeiro (o “melhor” da classe) ao ultimo em voz alta. Acho isso horrível, outra forma de rotular! Criava aquele clima de competição entre os alunos desde cedo, depois que soube isso entendi na faculdade porque as pessoas eram tao competitivas e nao se ajudavam…bom, mas isso é outra historia. Muito bom esse post!
Carolina says
Desculpa, o comentario ficou enorme! Podem me rotular como aquela que nao sabe ser breve e resumir…brincadeirinha!! 😉
Claudia Dannemann says
Gostei muito do sistema de escolhas. Vou adotá-lo aqui. Eu nao tinha parado para pensar, mas na escola da minha filha eles têm os trabalhos que se chamam voluntários. Podem escolher entre fazer o exercício de matemática, o de alemao, desenhar ou fazer algo de ciencias. A professora disse que consegue motivar as crianças para mudarem de escolha sempre e nao ficarem fazendo sempre a mesma coisa. Também nunca ouvi comparaçoes, eles recebem as notas individualmente. Evita-se bastante a competiçao, o que eu acho ótimo. Mas nao é um sistema perfeito…