Anteontem a Julia finalmente topou (e conseguiu) ler um livro em português sozinha. Nós sempre lemos livros em português pros dois desde bebezinhos, já peguei a Julia lendo várias palavras sozinha em português aqui e ali, mas ela nunca aceitava quando eu perguntava se ela queria ler em português. Acho que ela ficava com medo de errar, não sei o motivo, mas finalmente ela topou e logo de cara leu esse livrinho da foto que tem 45 páginas. Esse livro foi meu quando eu era criança e tenho a coleção ainda, que agora passou pra Julia e pro Eric 🙂
Como falei anteriormente, quando a Julia estava sendo alfabetizada, ela demonstrou interesse em aprender as duas línguas. Mas como ela teve um pouco de dificuldade com o inglês eu deixei o português para mais tarde (os especialistas aconselham mesmo alfabetizar em apenas uma, então nem me incomodei com isso). O tempo passou, ela deslanchou na leitura em inglês (já está vários níveis acima do que ela deveria estar na escola há um bom tempo) e eu comecei a perguntar se ela não queria ler em português também. Várias vezes eu peguei a Julia lendo algumas palavrinhas em português sozinha, mas ela se recusava a ler pra mim, não sei se ela estava tentando ler sem a gente ver.
Esse ano, lá pra maio, ela começou a dizer que queria aprender a ler em português. Quando a criança já é alfabetizada em uma língua e vai aprender a ler na outra, o processo é muito mais simples, ela aprende por “transferência”. Basicamente ela aplica as regras, o processo que ela agora já conhece, para ler na segunda língua. Você não precisa alfabetizar de novo, só tem que ensinar os sons, que vão ser diferentes.
Nas férias de verão (de junho a agosto) eu pratiquei com ela os sons das letras em português, cantando o ABC e fazendo brincadeiras com sílabas em português, que eu chamei de “lego das letras”. Eu ia escrevendo num papel “ba, be, bi, bo, bu” e depois um monte de outras sílabas “la, le, li, lo, lu” e a gente ia juntando “ba-la”, “bo-la”, “bo-lo”. Esse foi o jeito que eu fui alfabetizada, pelo método da silabação. Na verdade eu nem precisaria fazer nada disso, era só focar nos sons, porque aqui ela aprendeu a ler apenas juntando os sons das letras (método fônico) e ela agora só tem que aplicar os sons das letras em português ao invés dos sons das letras em inglês. Mas ela gostou do joguinho do “lego das letras” e brincamos assim, construindo palavras, ela se animou. Outra coisa que treinei com ela foram as palavras de alta frequência, “que”, “não”, “é”, “uma”, “um”, “para”, etc. A gente já tinha lido alguns livros em português que eu ia lendo as palavras “complicadas” e apontava sempre que aparecia uma palavra dessas pra ela ler pra mim. E aí ela foi treinando essas palavrinhas que se repetem tanto. Mas ainda assim ela não queria ler sozinha.
Continuei lendo pra ela em português e continuamos falando português em casa. O mais importante pra criança que vai aprender a ler por transferência é o domínio da língua falada, pra que ela reconheça as palavras quando estiver tentando ler. E foi isso que aconteceu quando ela finalmente resolveu pegar esse livro pra ler. Ela começava a ler a palavra com um pouquinho de dificuldade pra juntar os sons em português que ela não está acostumada a ler, mas depois reconhecia o resto da palavra e automaticamente aplicava os sons corretos naquela palavra e nas próximas. E a cada página que ela ia lendo, as palavras iam saindo mais certinhas. Claro que ela já conhecia o livro e isso também ajuda. Mas conseguiu ler direitinho até o final. Fiquei super feliz, e ela também. Agora é praticar, mas o passo principal já foi dado.
Sobre o português falado deles: continua firme e forte, tanto a Julia quanto o Eric falam bem português e conversam entre eles em português, mesmo quando estão sozinhos. E brincam em português também. Quem tem filhos nascidos fora do Brasil sabe como isso é difícil, e não sei se vai ser assim pra sempre, mas por enquanto eles continuam firmes conversando em português. Nós continuamos falando em português com eles e reclamando quando a Julia tenta falar inglês com a gente (o Eric ainda não tenta).
Uma coisa que eu sou chata mas que dá muito resultado: eu desliguei a TV a cabo há alguns anos e eles só assistem a DVDs em português. Quando os meus pais vem visitar eles gostam de assistir os programas na TV a cabo daqui e a gente religa pra eles. Mas a minha mãe mesma já notou a diferença quando eles ficam assistindo TV em inglês, é um impacto enorme na língua. Assim que eles forem embora pro Brasil eu vou desligar novamente, e voltar a atenção deles pros DVDs em português somente.
E assim vamos seguindo, ensinando as duas línguas pra eles. Futuramente vamos introduzir o espanhol, eles já tem aulinhas na escola, e não imagino que será problema. Mas o português é prioridade pra mim.
Jéssica de Oliveira Gomes says
Olá Luciana, mudei há 3 meses com meu marido e minha filha Júlia, 5 anos, para Port Jefferson Station (NY). Ela não começou a estudar e nesse tempo estou tentando ensina-la a ler e escrever em português. Ela conhece o alfabeto em português e fez até o Infantil 5 no Brasil. Confesso que estou preocupada com essa transição. O pai fala inglês fluente, e o que eu sei não da nem pra uma conversa… Por favor, pode nre dar umas dicas. Continuo a ensinar?
Luciana Misura says
Jéssica, por que ela não começou a estudar nesses 3 meses? Ela não podia ser matriculada na escola por algum motivo? Não sei qual é a data de corte aí mas aqui no Texas se ela tivesse 5 anos completos até 31 de agosto ela entraria no Kinder da escola pública, que é quando eles alfabetizam aqui. Mas os estados tem datas de corte diferente e o Kinder nem sempre alfabetiza, varia de lugar pra lugar…
Eu acho que continuar o português ou não vai depender de quando ela vai ser alfabetizada em inglês, se vai ser só a partir de setembro de 2015 ou antes disso. Mas sinceramente se eu fosse você a minha prioridade seria fazer a minha filha falar inglês nesse momento, pra se preparar pra entrar na escola. Não que você deva falar inglês com ela, continue falando português; mas que ela entre pra uma escolinha em inglês pra começar a falar a língua em preparação pra poder ser alfabetizada em inglês depois. Alfabetizar em português não seria a minha prioridade se eu tivesse acabado de me mudar…vocês estão nos EUA por pouco tempo, vão voltar a morar no Brasil em breve?
Jéssica de Oliveira Gomes says
Existem algumas burocracias, como exames médicos e vacinas, ( li o seu artigo sobre seguros, e mais do que nunca queríamos encontrar um pediatra de confiança). A pessoa responsável pela matrícula demora muito a atender também, só alguns dias por semana e ainda tem que marcar hora… E como não domino a língua tenho que esperar pelo meu marido, o que atrasou ainda mais o processo. Ele faz doutorado, o que leva em média 5 anos pra acabar, não sabemos se vamos voltar para o Brasil, mas essa possibilidade existe. A Júlia já teve contato com crianças americanas, e assiste programas em inglês, a pronuncia dela é mil vezes melhor que a minha, e pelo o que eu entendi a escola está acostumada a receber crianças de outras nacionalidades. Um dos meus receios é ela voltar para o Brasil e ter problemas com o português (escrita e leitura), acho que esse foi o motivo de ter começado a alfabetiza-la. Obrigada pelas dicas. Vou continuar lendo o blog. Muito bom mesmo… Nossa primeira opção era Austin
Jéssica de Oliveira Gomes says
Se tivesse ido acho que você não iria me aguentar… rsrsrs
Luciana Misura says
Que nada, essas coisas não são obrigatórias, você pode não dar vacina nenhuma se não quiser e pode matricular na escola (é só dizer que é “contra a sua religião” e pronto, ninguém te enche o saco). Enfim, tem que correr atrás pra que ela entre na escola e saber como é aí, se eles vão alfabetizar esse ano ou se só ano que vem, se o Kinder aí é full time ou apenas algumas horas por dia, isso tudo varia de um lugar pro outro…que pena que não vieram pra Austin, aqui temos um grupo muito legal de famílias brasileiras!
Vitória says
Que legal que ela conseguiu ler em português! Parabéns 🙂
Luciana Misura says
Brigada! 🙂
Ana says
Parabéns pra Julia!
Aqui em casa aconteceu igual, Lu. A Laura pegou o português sozinha, de repente saiu lendo em português também, usando o mesmo método fonético que aprendeu em inglês. O negócio é fazer a nossa parte, continuar falando com eles em português e a escrita vem depois. Claro que quando eles resolvem escrever, vão cometer muitos erros, mas a gente vai corrigindo aos poucos.
A Alice já está no mesmo caminho. Acabou de aprender a ler em inglês e já consegue ler algumas palavras aqui e ali em português. Os livros da série Mico Maneco da Ana Maria Machado são ótimos pra essa fase!
Bjs!
Luciana Misura says
Brigada, Ana! Pois é, ela estava lendo umas palavrinhas aqui e ali, agora deu o passo que faltava. Escrever são outros 500 né, mas o português pelo menos é mais tranquilo nesse ponto do que o inglês. Mas nem vou tocar no assunto escrita por enquanto! A Laura está com quantos anos? 9? A Alice deve ver a irmã lendo nas duas línguas e achar que isso é super normal né, espero que o Eric vá pelo mesmo caminho quando chegar o tempo dele.
A gente tem o Mico Maneco e vários outros da Ana Maria Machado, são ótimos 🙂
Ana Paula says
Parabéns para a Julia e pra vc! Muito legal esta conquista. Por aqui, Nathan está começando a ler e escrever em inglês e às vezes se arrisca no português, mas ainda tem um lingo caminho pela frente. O importante é que eles tenham essa curiosidade, né? Bj.
pS: sorri aqui ao ver vc e a Ana “conversando”, duas mulheres queridas e mães que admiro. A Ana conheço ao vivo e há muuuitos anos!
isabella says
Que joia, Lu!!! Notícia boa demais!
Karen says
Luciana que notícia maravilhosa! Parabéns a sua pequena, logo logo será o Eric lendo também! Minha filha mais velha está com 7 anos, também introduzo minha língua materna sempre que posso, ela não tem a fluência de uma criança brasileira na idade dela, entende? Mas fala bastante, ainda mais com a vovó ao telefone. Estou pensando seriamente em coloca-las (ela e as irmãs) num pequeno cursinho de final de semana que tem aqui, se chama “Vamos falar português?”, o curso aproxima mais a criança da cultura brasileira e tudo isso, foi fundado por uma pequena equipe brasileira! Ai no Texas tem algo parecido?
Um abraço e parabéns novamente e pequena Julia.
Luciana Misura says
Karen, obrigada. Uma criança nascida no exterior nunca vai ter a mesma fluência que uma criança que nasceu e cresceu no Brasil, isso não tem jeito. O tempo de exposição ao português não é suficiente pra isso. Mesmo que os pais só falem português, que só assistam TV em português, que só ouçam CDs em português, a escola não é em português e o ambiente ao redor não fala português, as amiguinhas não falam (e se falam, falam pouco), não vai ser igual nunca. E sim, aqui em Austin temos um curso de português também, tem aulas de português e de capoeira, artes, eles também tem história e geografia, um dia penso em colocar a Julia. Acho muito legal esses cursos!
Suelli says
Ah Luciana, com certeza vou mostrar esse post a minha irmã! Ela também mora no Texas, e acha que o menino de quatro anos tem que aprender português assim, do nada, ele até entende algumas palavrinhas, mas ela fala em português e ele responde em inglês, sempre. O menino trava para falar “mãe”. Eu entendo que é difícil criar filhos no exterior, moro há 10 anos na Dinamarca, minhas filhas tem 8 e 7 anos, mas nada que uma boa força de vontade não faça, não é? Ás vezes minha mais velha chega e fala: “Mor, kan jeg gå hjem til min ven?” (Posso ir a casa de minha amiga?) e eu brinco “Prometo pensar se você falar português”. É tudo jogo de cintura.
Parabéns a Julia, que venham livros e mais livros!
Um beijo.
Luciana Misura says
Com certeza Suelli, só depende dos pais e do quanto os pais se esforçam pra que as crianças aprendam! Não é mágica, não vai ser sem esforço…se a Julia fala em inglês comigo eu sempre peço pra ela falar de novo em português…raramente respondo se ela fala em inglês. Se a gente deixar, não são eles que vão fazer questão.
gabriela says
lu, vc acha que pais que moram no exterior, podem dar nomes americanos aos filhos?
Luciana Misura says
Cada pai e mãe dá o nome aos filhos que quiser ué 🙂 Eu não dei e não daria pros meus, mas cada um faz o que quiser com o nome dos filhos!
jeanne says
Os livros da série Mico e Maneco são bons pra alfabetização. É sempre bom lembrar as palavras com som nasal e as com acentos.
dcjanicio says
Luciana, só agora vi este post. Que legal a Julia lendo e como já tem um tempinho que você postou tomara que esteja tendo bastante progresso. Moro no Texas também, Houston, e quando nos mudamos no ano passado o meu cacula de 5 anos ainda não estava alfabetizado em português no Brasil e entrou no kindergarten aqui e foi muito bem alfabetizado no inglês. A princípio, para não atrapalhar a alfabetização no inglês, fizemos exatamente igual vocês e deixamos o português de molho. Quando sentimos a evolução crescente da fluência no inglês introduzimos a alfabetização em casa exatamente do mesmo jeito, sons, silabação. Estava indo bem mas não praticamos muito então acho que o trabalho não evoluiu bem. Quero voltar com o português escrito mas sinto que ele reluta muito e não quero forçar nada mas também não quero que ele não domine a leitura e quem sabe no futuro a escrita. Nós sabemos como é difícil manter o português vivendo aqui mas sei que não é impossível. Infelizmente entre os meus meninos eles falam o inglês na maior parte do tempo. Comigo eu tento não deixar acontecer. Só falo em português e peço para eles também responder em português. Está dando certo. A história do meu mais velho é bem diferente. Ele veio já alfabetizado com 7 anos então ele é fluente nas duas línguas. Ele costuma ler livros em português e inglês praticamente na mesma frequência. Comete erros de grafia na escrita normais da idade. Enfim, queria que fosse assim com o meu caçula. Adorei o seu post!!! Parabéns!!
Abraços
Daisy
Luciana Misura says
Obrigada, Daisy! Ela continua lendo em português sim, apesar de ainda não estar no mesmo nível da leitura em inglês. Mas vamos continuando aos poucos! Não
é impossível e não desista, a nossa persistência é o que faz a diferença no final!